domingo, 6 de dezembro de 2015

O Revolver do Sicário( história em capítulos)

                                                                Capítulo 1 




                                                             A VIAGEM




    A família Coutinho estava completa, exceto por uma tia avó do interior, um tio morto, um primo internado e muitos outros que, muitas vezes, inventavam desculpas para não rever os parentes, coisa que o jovem Marcelo desejara ter feito antes de comparecer naquele lugar.

    Marcelo estava encostado em um sofá branco com almofadas vermelhas, repletas de bordados, principalmente flores. O rapaz estava ao lado de sua mala, uma azul das grandes, com milhares de bolsos a mostra. Não estava sentado sozinho, pois seu avô, Euclides, cochilava fortemente, assoprando levemente à cada ronco seus cabelos brancos e lisos, semelhantes à um índio, exceto pelos olhos azuis, que eram realçados por sua pele escura e enrugada.

     Na frente do jovem encontrava-se uma bela parede vermelha inundada por relógios, que estavam todos perfeitamente aliados e regulados, dando um ar de estranheza para a pequena sala, onde malas e pessoas estavam acumuladas no chão, o motivo de diversos colchões estarem forrando o chão envolta do sofá, quase selando a porta, pois a mesma tinha um espaço mínimo para fazer seu movimento. Poucos tiveram o privilégio de não dormir no chão, apenas o avô, por sua velhice, a tia, que estava dormindo no único quarto da casa, por sua joanete e Marcelo, por seu problema no joelho, o qual agradecia o santo futebol naquele momento.

     Marcelo era o único que não caíra em um sono profundo, pois o mesmo estava pensativo e não conseguia dormir com tantas pessoas roncando no mesmo recinto. Ele começou a perceber a furada em que metera-se a partir dali, ficando temeroso com o futuro da família e dessa viagem insana que seu pai havia planejado. Iriam sair três horas da manhã, usando dez carros, com cinco membros da família em cada veículo, indo assim para um lugar no interior do estado, pois seu pai ouvira no trabalho que havia nesta cidade um presépio gigante que tomava quatro casas de 120 m ². Sim, onde iriam dormir tantas pessoas? Bem, segundo a suspeita falácia havia um hotel no tal local, sendo ele absurdamente barato.

       Marcelo não acreditou em nenhuma palavra deste relato que seu pai contara, mas o mesmo não deu-lhe ouvidos, apenas fez todos os preparativos para a viagem, chamou toda a família, que cegamente acreditaram nas palavras do homem grisalho, talvez por estarem animados de não ter de  passar as festas na casa do velho Euclides, que gostava de ligar o forró nas alturas e sempre impedia qualquer um de tocar em seu fogão, sendo ele o cozinheiro, por isso ninguém possuía boas lembranças alimentícias da maioria dos natais, além de suas longas histórias sem fundamento.
        O rapaz poderia ter mentido, inventado uma desculpa ou qualquer coisa para evitar sua presença nesta presepada, acreditava que este presépio e o hotel eram uma falácia bem contada, na qual todos acreditavam cegamente, cada qual com seu motivo, mas provavelmente por pura ingenuidade, logo a hora estaria chegando. Pegou seu celular touch scream para checar a hora, mesmo com o grande número de relógios na parede, pois o habito era frequente e inevitável. Espantou-se com a hora que viu, 02:59... logo tudo começaria, deveria acordar todos.

         Ele bateu palmas ribombadas, que não surtiram efeito sobre ninguém, pois todos possuíam um sono extremamente pesado, assim como o rapaz. Intrigado com as semelhanças de toda a família, gritou tão alto quanto uma maritaca, o que pareceu funcionar, porque logo o tio José levantou o rosto, tia Ana, o primo Jorisval, a prima Viviane e logo todos os familiares, que ameaçaram questionar Marcelo, mas calaram-se ao olhar os relógios.

         Euclides olhou seriamente para o jovem, falando com sua voz rouca e falha:
- Vá chamar sua tia, menino!- Disse o senhor pausadamente.
- Vô, eu não consigo andar direito, por causa do joelho...- Respondeu o jovem.
- Vá mancando! Vish, o bicho é molhe como o pai!- Chantageou com as palavras mais odiadas pelo menino.
- Tudo bem.

          Marcelo sempre ouviu aquelas palavras, que quase sempre foram usadas como chantagem por seu avô, coisa que o rapaz suspeitava ser uma palavra feita e definida pelo senhor, pois certa vez espiava seus primos e ouvira a mesma frase. Mesmo assim, por algum motivo, ainda considerava as oito palavras ofensas.

          O rapaz apoiou seus braços, um no braço do sofá, o outro na mala, forçando seu corpo para frente determinado, mas relaxou novamente ao ver a senhora gorducha, ruiva e de olheiras profundas surgir na caótica floresta de colchões, que foi recebida por um cachorro saltitante branco e peludo. A senhora envolveu o cachorro em um abraço, levando grandes lambidas em seu rosto, no qual residia um estranho sorriso não compreendido por Marcelo.

          Quando todos estavam levantados, um homem de cabelos pretos, com pequenos pontos brancos, rosto gorducho, nariz achatado e uma estranha blusa de couro chamou a atenção de todos. Aquele era seu pai, o homem que caíra na falácia com o resto da família. Ele refez toda a formação, na qual eles, Marcelo, o pai, tia Alice, primo Jorisval e avô Euclides, liderariam o longo comboio de dez carros, enfatizando para todos permanecerem atentos e cautelosos, pois caso algum deles perca-se não haveria forma de contato, pois os celulares não teriam sinal.

            Marcelo revirou os olhos discretamente, por acreditar que essa formação só causaria problemas, pois seu pai, Manuel, não deveria ser o único conhecedor do caminho, mas ninguém ouvira-lhe novamente, afinal, Manuel não precisava de sua ajuda, já havia planejado tudo. Cansado daquilo, levantou-se com dificuldade indo ao banheiro.

                                                                           ~...~

          As pessoas foram saindo aos poucos, deixando os colchões vazios espalhados pela sala, exceto por um único que estava encostado no sofá, em pé. Marcelo saiu do banheiro, percebendo sua solidão naquele lugar, e com pesar, dirigiu-se à porta.

          A grande fileira de carros que localizava-se na frente do portão de grades brancas da casa baixinha estava toda ocupada por seus familiares, exceto pelo carro da frente, que tinha Manuel segurando a porta do motorista. Marcelo olhou debilmente, assustado com a rapidez de tudo, questionando o tempo que ficara no banheiro. Logo foi apressado por seu pai, pois aproximou-se para pegar a mala e colocar no porta-malas. 

         Manuel serviu de apoio para o rapaz, que chegou no carro rapidamente, sentando no banco de trás de um Astra branco, onde estava sentada tia avó Alice e seu cachorro na janela direita e primo Jorisval, um menino de dez anos, alto para sua idade, semelhante ao avô, exceto pelos olhos que eram pretos, no meio com o cinto afivelado. Marcelo acomodou sua perna, apertando o cinto inseguro.

        Marcelo olhou para seu primo, sua tia e o cachorro, ficando temeroso, pois aquela viagem seria longa, mas quase ficou depressivo ao ver seu avô encarando-o do banco da frente... Em que furada estava entrando...

        Quando o primeiro ronco foi ouvido, multiplicaram-se por dez, pois todos os carros fizeram o mesmo. Tal som fez Marcelo questionar sua decisão, mas não adiantaria mudar de ideia,  a viagem iria acontecer de qualquer jeito, só teria que aceitar e ser paciente.

       
                                                                           

                                                                             ~...~